A morte de Rebellin deixa em evidência o perigo de pedalar na Itália

Autoestrada 01/12/22 13:30 Guilherme

A morte do ciclista mais antigo do pelotão profissional, Davide Rebellin, após ser atropelado por um caminhão, coloca novamente em destaque a vulnerabilidade dos ciclistas nas estradas, sobretudo na Itália, país onde o respeito pelas regras de trânsito em geral e para os ciclistas em particular é de desolador.

Davide Rebellin se junta à negra lista de ciclistas mortos na estrada

Todos ficamos consternados quando ontem à tarde saiu uma daquelas notícias que nenhum de nós quer ler. Davide Rebellin, 51 anos, ciclista profissional há 30 anos, até esta temporada em que finalmente decidiu encerrar a carreira, havia sido atropelado enquanto treinava nos arredores da cidade italiana de Vicenza. Como tantas vezes acontece, ele foi atropelado por um caminhão enquanto pedalava e o autor do atropelamento fugiu.

O estado da bicicleta de Davide Rebellin dá uma ideia da violência do impacto

Rapidamente nos vem à memória o acidente em 2017 de Michele Scarponi, neste caso, atropelado por uma van que saltou um cruzamento onde deveria dar a preferência.

A Itália é um dos países do mundo onde o ciclismo é vivido com mais paixão. As etapas do Giro d'Italia são acompanhadas com devoção e seus jornais sempre encontram espaço para falar deste esporte. Além disso, possui algumas das rotas mais bonitas do mundo: os Alpes, Dolomitas, Toscana, Sicília, Lombardia, Vêneto... são alguns de seus paraísos para percorrer de bicicleta, lugares que são aproveitados para provas que contam com participação massiva.

Michele Scarponi

Mas outra coisa bem diferente é pedalar em suas estradas. Já o fizemos inúmeras vezes, sem ir mais longe, há alguns meses durante a apresentação da nova Scott Foil RC nas imediações do Lago d'Iseo e, como é habitual nestas terras, tivemos de sofrer, além de as constantes ultrapassagens a centímetros de nosso guidão, um desentendimento com um motorista que, após recriminá-lo por ultrapassagens ruins, parou bem na frente de nossos narizes. Benditos freios a disco.

Para contextualizar, uma boa comparação com o modo de dirigir daquele país seria comparável ao que se vivia na Espanha há 20 ou 30 anos, quando não era incomum um motorista ser aplaudido por um grupo de amigos por fazer um percurso em um tempo incrivelmente reduzido ou não ser socialmente reprovado ao pegar o carro depois de uma noite bebendo álcool.

A Itália é o lar de alguns dos melhores sites de ciclismo do mundo, como os Dolomitas

Nem preciso dizer que naquela época, no nosso país, os ciclistas eram vistos como um mero estorvo nas estradas, pelos quais não tinham o menor respeito, além do fato de serem muito menos numerosos do que agora que se aventuravam a praticar ciclismo.

Na Espanha também sofremos esta praga com a morte de vários ciclistas profissionais como o lembrado Antonio Martín, em 1994, quando foi atingido na cabeça pelo retrovisor de um caminhão que passou muito perto; o atropelamento dos irmãos Ricardo e Javier Otxoa, em 2001, que foram atropelados por um carro em uma reta com visibilidade perfeita em um dia ensolarado; ou uma das maiores figuras do Mountain Bike nacional, Iñaki Lejarreta em 2012, atropelado por um motorista depois de trabalhar a noite toda e que tomava um remédio daqueles que indicam que não se deve dirigir.

Iñaki Lejarreta

Casos notados que fizeram com que as autoridades se articulassem e promovessem reformas legais com o objetivo de obter maior respeito ao ciclista nas estradas.

Basta mencionar que as leis italianas nem sequer preveem que os motoristas devem manter uma distância mínima ao ultrapassar os ciclistas. De fato, após a morte de Scarponi, a Associação de Ciclistas Profissionais Italianos começou a promover uma mudança na legislação para incluir a obrigação de manter 1,5 m de distância nas ultrapassagens.

Espanha, o paraíso dos ciclistas

Mas, como está a situação das bikes em nosso país? Muitas vezes os vemos na televisão ou em outros meios de comunicação, especialmente quando são casos mais ou menos notórios como o de um motorista que atropelou um grupo de ciclistas nas estradas de Gandía há alguns anos ou o caso do ciclista atropelado na cidade madrilenha de Torrejon de la Calzada, cujo motorista fugiu e a ridícula sentença foi o gatilho para que sua esposa, Anna González, promovesse uma coleta de assinaturas com o slogan #porunaleyjusta que chegou ao próprio Congresso dos Deputados, conseguindo um reforma do Código Penal que passou a considerar crimes os atropelamento em que o ciclista morreu.

No entanto, apesar do alarme que estes casos podem gerar, se prestarmos atenção aos números das vítimas mortais nas estradas, podemos considerar que Espanha é um país seguro para andar de bicicleta, especialmente se tivermos em conta o enorme aumento do número de ciclistas que pegaram as estradas nos últimos anos.

Segundo fontes oficiais, na Espanha em 2021, o último ano com dados consolidados, enquanto aguardamos os números deste que está para terminar, morreram 31 ciclistas, número que inclui acidentes rodoviários e urbanos. Um número que mantém uma tendência decrescente nos últimos anos desde as 78 mortes em 2017.

Na Itália, com cerca de 12 milhões de habitantes a mais que a Espanha, em 2021, 229 ciclistas morreram em suas estradas e, pior de tudo, é um número que se manteve estável nos últimos anos, exceto a retração associada à pandemia, e que no ano de 2016 registou um pico de 275 mortes.

A situação noutros países vizinhos não é muito melhor, como é o caso da França, que acumulou 174 ciclistas mortos em 2020, também um número que se mantém estável, ou a sempre gloriosa Holanda cujas extensas redes de ciclovias perfeitamente interligadas não conseguiam garantir a segurança dos 207 ciclistas que morreram no ano de 2021.

Medidas que na Espanha consideramos normais há muitos anos, como a obrigação de manter 1,5 m nas ultrapassagens, endurecida na última reforma com o acréscimo de ter de ocupar parte ou a totalidade da via contrária ao efetuar a manobra; ou o poder circular em paralelo, que dá maior visibilidade ao ciclista, fora as campanhas mais ou menos bem sucedidas da DGT têm vindo criando um sentimento geral de respeito apesar de, com o porta voz das redes sociais, sempre aparecerem os que por desconhecimento ou egoísmo, descarregam sobre os ciclistas.

É a situação ideal?

Obviamente, embora na Espanha tenhamos uma situação invejável para as bicicletas de estrada em comparação com os países ao nosso redor, 31 ciclistas que não poderão mais continuar com suas vidas ainda é um número excessivo e devemos continuar trabalhando para que os ciclistas circulem cada vez com mais segurança.

Além das campanhas de conscientização, o futuro passa pelo investimento na formação teórica e prática em segurança rodoviária desde as escolas. Claro que o fomento da bicicleta como meio de transporte, para além do esporte, deve ser também algo positivo na hora de normalizar a presença da bicicleta nas nossas estradas e cidades, dotando-a da mesma legitimidade de utilização que qualquer outro veículo que circule nas vias.

São muitos os que falam da necessidade de implementar ciclovias, mas a nosso ver, seria uma medida contraproducente, não só pelos seus desenhos muitas vezes difíceis de enquadrar e que em muitos casos não sejam utilizados por ciclistas de estrada, gerando a ira dos condutores, mas também pela deslegitimação da bicicleta como veículo de pleno direito que a sua presença supõe.

Seria também desejável uma maior vigilância no cumprimento das regras que dizem respeito aos ciclistas pois, embora cada vez mais estejam ultrapassando corretamente, ainda são muitos os que o fazem sem respeitar a distância mínima, tendo o próprio ciclista que exercer papel da polícia através da utilização de câmaras de ação se quiser denunciar essas atitudes.

Em todo o caso, é um processo constante em que se trata de consolidar os direitos dos ciclistas neste país e ir melhorando pouco a pouco para evitar que desfrutar de uma manhã agradável, praticando o esporte que nos apaixona, se torne uma atividade de risco.

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