De consertar bielas na estrada a conquistar o ciclismo, a história da Colnago
Ernesto Colnago, uma lenda viva do ciclismo, completa 93 anos hoje, 9 de fevereiro. Quase 70 desses anos liderando sua empresa. Ao longo dessas décadas, os olhos desse verdadeiro patriarca dos fabricantes de bicicletas viram absolutamente tudo passar. Em sua memória, estão preservadas imagens desde os tempos de Coppi, Bartali e Bahamontes até os Tours de Pogacar, vencidos a bordo de um de seus últimos modelos. Ele foi mecânico da Magni, construiu quadros para Eddy Merckx, levou Tony Rominger e Óscar Freire à vitória... e até atravessou a Cortina de Ferro para trabalhar com a URSS. Uma aventura fascinante de inovação e melhoria contínua que merece ser conhecida. Esta é a história da Colnago, “a marca do Canibal”.
As origens da Colnago: As manivelas de Magni
Para aqueles de nós que cresceram assistindo ao ciclismo de estrada nos anos 90 (aquele ciclismo italiano em que quase metade das equipes profissionais eram transalpinas, os componentes eram todos Campagnolo e a maioria das camisas era da Santini, Nalini e Castelli), havia praticamente apenas duas marcas de bicicletas: Pinarello, de Miguel Indurain, e Colnago, de Tony Rominger, Abraham Olano, Museeuw e companhia no Clas e no Mapei subsequente (tudo bem, acrescente a Bianchi e a Gewiss de Bugno e o vistoso Look da ONCE). Esse foi outro duelo mítico da época, no mesmo nível do Subaru Impreza contra o Mitsubishi Lancer Evo nos ralis, ou Honda contra Yamaha no motociclismo.
O que não sabíamos naquela época era que a marca com um ás de trevo como emblema tinha uma rica história que remontava aos tempos míticos do ciclismo italiano, aqueles do período pós-guerra e da rivalidade Coppi-Bartali. Raramente é lembrado que, naquele duelo, havia um terceiro convidado: Fiorenzo Magni, que “roubou” o Giro d'Italia deles até três vezes, em 1948, 1951 e 1955.
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Pouco antes desse último triunfo, esse campeão apelidado de Leão de Flandres (porque também venceu 3 vezes) se encontrou um dia enquanto treinava com Ernesto Colnago. Esse homem, nascido em 1932 em uma família de agricultores, trabalhava em uma loja de bicicletas desde os 13 anos. Dizem que ele até teve que mentir em seus documentos para entrar nessa idade. Mais tarde, ele foi um ciclista profissional, um velocista apaixonado pelo Milan-Sanremo. Mas uma queda em uma corrida de velocidade com apenas 19 anos mudou sua vida.
Ele aproveitou a situação para abrir sua própria oficina, em um espaço de 5 metros quadrados na cidade de Cambiago, nos arredores de Milão, com uma bancada de trabalho feita por seu pai. Mas, sim, ele continuou andando de bicicleta. Foi então que ele conheceu Magni, que mencionou que estava sentindo um desconforto em uma perna. De acordo com o mito da fundação (todas as grandes empresas devem ter um), quando pararam para beber em uma fonte, Ernesto olhou para a bicicleta do campeão, viu que as manivelas estavam em más condições e, com a voz trêmula, ofereceu-se para consertá-la.
“Sr. Magni, o senhor sabe por que está doendo?”, dizem que ele lhe disse sob o olhar desconfiado do ciclista. “As manivelas estão ruins e, como o curso do pedal não é redondo, ela continua doendo. Se quiser, posso consertá-la, mas teríamos de ir à minha oficina, que fica perto, em Cambiago.” Por alguma razão, Magni aceitou a oferta, eles foram até lá e Ernesto começou a lixar os pedais. Depois de perguntar seu nome, seu novo “cliente” agradeceu e voltou para a bicicleta. No dia seguinte, o massagista da equipe apareceu para lhe oferecer um emprego como mecânico no Giro d'Italia. E juntos... eles venceram.
O braço direito de Eddy Merckx
Obviamente, com esses precedentes, Magni o manteve ao seu lado pelo resto de sua carreira. Naquela época, além de ciclista, ele também era diretor de sua equipe (sim, naquela época era possível ser jogador-técnico), e logo se tornou gerente de várias equipes, das quais faziam parte homens como Gastone Nencini, vencedor do Giro de 1957 e do Tour de 1960.
E lá estava Ernesto, sempre como o mecânico de confiança, ajustando as engrenagens recém-inventadas e empurrando as bicicletas das estrelas do momento para as subidas. Ele até atuava como batedor. Porque, como conta o próprio fundador da marca clover ace, foi ele quem descobriu Gianni Motta aos 16 anos, vendo-o pedalar a caminho da fábrica onde trabalhava. Sete anos depois, ele venceria o Giro d'Italia.
Enquanto isso, como muitos mecânicos da época, Colnago estava construindo suas próprias bicicletas. Em 1956, ele até inventou uma técnica inovadora para dobrar garfos a frio, o que o tornou bastante famoso no mundo do ciclismo. Mas sua vida deu uma guinada em 1967, ano em que conheceu Eddy Merckx. Merckx lhe pediu uma bicicleta para competir com garantias em sua corrida favorita, a Milão-Sanremo. Ernesto a construiu para ele, e a Cannibal venceu a Classicissima pela segunda vez.
Assim começou um relacionamento (até certo ponto clandestino, já que muitas dessas bicicletas não tinham a marca Colnago, mas sim a do próprio Eddy Merckx) de cinco anos, que culminou com o Recorde da Hora de 1972. Para ele, Colnago criou uma obra-prima com detalhes como cubos de berílio e avanço de titânio, pesando apenas 5,75 kg. Ou seja, bem abaixo do peso mínimo atual da UCI de 6,8 kg. Dizem que, desde então, Ernesto liga para Eddy todo dia 25 de outubro, para lembrarem juntos o aniversário da façanha.
De Sanremo a Moscou
Naquela época, as bicicletas Colnago pareciam ter se especializado em uma corrida que já o havia cativado como ciclista: a Milão-Sanremo. O primeiro a vencer lá com uma de suas bicicletas foi o belga Emile Daems, depois veio Merckx e, em 1970, Michele Dancelli.
Na Itália, Sanremo é conhecida como “a cidade das flores”, e naquele dia um jornalista disse que, entre todas elas, a bicicleta de Dancelli parecia “outra flor”. Assim, nasceu o logotipo que identificaria para sempre a marca: o ás de trevo (em italiano, 'asso di fiori'). A propósito, seu romance com a corrida da Riviera continuaria, primeiro com Giuseppe Saronni em 1983 e, mais tarde, três vezes nos anos 2000 com Óscar Freire.
E assim, nos anos 70, a Colnago deixou de ser uma oficina de aldeia para se tornar uma verdadeira indústria. No final da década, Ernesto até parou de trabalhar como mecânico para as equipes do Giro e do Tour, depois de 25 edições de cada um. Ele começou a patrocinar equipes italianas e colocou sob sua proteção um jovem promissor: Giuseppe Saronni. Um homem que nunca o abandonaria e que moldaria o futuro da Colnago até os dias de hoje. Mas já falaremos sobre isso.
Porque, em 1980, ocorreu uma das colaborações mais estranhas e inesperadas da história dos fabricantes de bicicletas. No meio da Guerra Fria, Ernesto Colnago “pulou” a Cortina de Ferro e começou a trabalhar para a equipe de ciclismo da União Soviética. Acabou sendo uma grande jogada de marketing, pois naquele ano eles ganharam o ouro no contrarrelógio por equipe nas Olimpíadas de Moscou (que alguns países ocidentais boicotaram). Mais tarde, eles ganhariam novamente em Seul 88 com a República Democrática Alemã (RDA).
![Colnago Concept Ferrari](https://cdn.brujulabike.com/media/30368/conversions/la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-300.jpg 300w, https://cdn.brujulabike.com/media/30368/conversions/la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-620.jpg 620w, https://cdn.brujulabike.com/media/30368/conversions/la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-1000.jpg 1000w, https://cdn.brujulabike.com/media/30368/conversions/la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-la-prima-bici-in-carbonio-al-mondo-1600.jpg 1600w)
Ferrari, carbono, Master... A era da inovação
Os anos 80 foram anos de inovação para a Colnago. Especialmente, graças a um fabricante de automóveis: ninguém menos que a Ferrari. Eles começaram a colaborar com a “scuderia” em 1986, e dessa relação surgiu um projeto revolucionário e futurista, chamado “Concept”.
Feita de carbono (algo muito novo na época) e com técnicas retiradas da Fórmula 1, essa bicicleta tinha um sistema de freio hidráulico e um sistema de câmbio baseado em cubo que se assemelhava mais a uma alavanca de carro. Embora fosse um protótipo, como o próprio nome sugere, em 1989 ele se materializou em um modelo chamado C35 Ferrari.
Nos mesmos anos, foram dados dois grandes saltos: o garfo reto, em 1988 (antes, todos os garfos tinham uma curva na parte inferior), que proporcionava maior conforto e melhor precisão nas curvas; e a chegada do modelo Master, que ainda é vendido até hoje e foi uma verdadeira referência nos anos seguintes.
Graças à experiência acumulada com a fibra de carbono, em 1995 eles conseguiram até mesmo apresentar a primeira bicicleta feita com esse material que participou da exigente Paris-Roubaix: a C40, descendente direta da C35 Ferrari. Ela foi montada pelos ciclistas da Mapei, e não apenas isso: um deles, Franco Ballerini, venceu aquela edição. E Ernesto costuma contar que, na noite anterior, recebeu uma ligação do “chefe” da equipe, Giorgio Squinzi, para perguntar-lhe: “Tem certeza de que essa estrutura não vai quebrar amanhã?” Ele não só não quebrou naquele domingo, como também venceu 5 das 6 corridas seguintes de Roubaix.
De Freire a Pogacar
Na década de 2000, Colnago era principalmente o fornecedor de duas equipes de ciclismo: Rabobank, de Óscar Freire, e Lampre, onde seu “pupilo” Saronni era o gerente. Com o espanhol, ele obteve seus melhores triunfos da época, com três campeonatos mundiais e três vitórias em Milão-Sanremo a bordo da nova C50. Mais tarde, viria a C60 e, em 2018, a C64.
Foi também o momento da expansão para outras modalidades de ciclismo de uma marca que até então se concentrava quase que exclusivamente no ciclismo de estrada. Embora nos anos 80 eles tivessem fabricado bicicletas de ciclocross, foi com Luca Bramati que eles realmente começaram a entrar nessa especialidade (hoje, eles têm a Prestige). Uma evolução que foi concluída em 2020, quando eles introduziram seu primeiro modelo de gravel, a G3-X, e a primeira bicicleta elétrica de gravel, a eGRV.
E, finalmente, em 2019, o “segundo Merckx” entrou na vida de Colnago. Em 2017, a Lampre de Saronni foi rebatizada de UAE Team Emirates e, naquele ano, eles contrataram um esloveno promissor chamado Tadej Pogacar. Graças a ele, a marca italiana voltou ao topo, vencendo três Tours com suas Colnago V3Rs e V4Rs.
No entanto, desde 2020, ela é um pouco menos italiana, pois foi quando o fundo de investimento árabe Chimera adquiriu a maioria das ações da empresa. Isso não significa que os próximos anos serão menos empolgantes do que os 70 anteriores. E devemos confiar que Ernesto, que está em uma forma fantástica por ter completado (você não diria isso) 93 anos de idade, possa ver mais algumas vitórias de suas bicicletas no Tour, Giro, Roubaix, Campeonato Mundial e... acima de tudo, em seu amado Milan-Sanremo.